“De um modo geral, todas as missões marcam um pouco, umas mais, outras menos, e depende do sentido que se quer dar à essa marca que ficou na pessoa. Eu tive uma, por exemplo, que me marcou porque eu realizei o bombardeio e depois do bombardeio, como era a norma, você saía a busca de objetivos de oportunidade, fossem comboios, trens, o que fosse, tropas... enfim, qualquer coisa além do objetivo principal que já havia sido atacado com bombas ou foguetes, o que fosse.

Ao atacar o primeiro objetivo de oportunidade que era um comboio, eu quase bati no chão na recuperação. Nessa essa altura eu já era ‘macaco velho' e não havia porque eu ter quase raspado no chão. Eu cheguei a deixar na estrada de barro aquele rodamoinho de tão baixo que eu fiquei. Aí eu chamei um companheiro para ver se havia alguma coisa com o meu avião e ele disse: “Poxa, você está com uma bomba pendurada!”. Só havia saído uma, porque o que lança não vê as bombas caírem, o de trás é que vê. Na recuperação eu não via as minhas bombas, eu via as bombas do da minha frente, mas não via as minhas. Então não vi que só uma havia caído, e por esse excesso de peso que eu tinha no meu avião é que eu quase bati. Essa bomba ficou pendurada pelo gancho traseiro somente, com a espoleta ativa, e eu chamei o controle e essa coisa toda.

Mandaram que eu fosse para cima da água, que os barcos já estavam indo para lá, para a área "B" - eu me recordo porque o nosso mapa era todo quadriculado com áreas bem definidas -  que eu fosse para a área "B" , que os barcos estavam indo para lá para me resgatar. E eu fui para a área "B" e fiz tudo para essa bomba cair: dei estol , não sei quanto, fiz tudo, e ela presa, firme.

E eu num rasgo de pouca inteligência resolvi pousar com ela! Não sei se foi amor ao avião que já me havia trazido tantas vezes de volta, incólume... eu vim e pousei! Pousei e a bomba ficou quase raspando no chão, ficou a uns 30 centímetros do chão, e eu taxiei. Quando cheguei no estacionamento foi um "barata voa"; todo mundo fugiu. Foi aí eles viram o avião com a espoleta ativa e a bomba pendurada. Aí veio o pessoal de armamento, desarmou a bomba e tal...

E por esta... por este feito meio sem graça e descabido - porque hoje, em são consciência, eu reconheço que ninguém deve fazer uma coisa dessas - estava por casualidade o General Chidlwaw, Comandante da 22ª Força Aerotática, que estava em visita às nossas organizações, americanas e nossas, e ele mandou me chamar, e disse: “Foi o senhor o piloto que pousou com aquela bomba pendurada?”. Eu disse: “Foi, sim senhor”. E ele disse: “Então em primeiro lugar os meus cumprimentos pela sua coragem. Em segundo lugar (de dedo em riste), nunca mais faça uma coisa dessas, porque aviões iguais a esse que o senhor salvou nós fazemos trinta por dia, e um piloto experiente de guerra demora três anos para fazer. Então nunca mais repita um caso desses!”. De dedo em riste...

E ele tinha toda a razão, foi um rasgo de pouca inteligência, como eu mesmo classifico. Hoje eu acho graça..." 

(Major Brigadeiro Newton Neiva de Figueiredo, em depoimento ao documentário "Senta a Púa")